A emoção pela oportunidade da restituição da verdade e da dignidade de 121 pessoas demitidas durante a greve do Polo Petroquímico de Camaçari, em 1985, tomou conta do Teatro da Cidade do Saber, na manhã de quarta-feira (29/02), durante a abertura da 54ª Caravana da Anistia, promovida pelo Ministério da Justiça.
“Depois de 85 nunca mais fomos os mesmos”, gritou com a voz embargada um ex-operário que estava na plateia para aguardar o julgamento. A manifestação representou o sentimento de todos os demitidos presentes, muitos deles sequer conseguiram voltar a atuar na área por conta da perseguição política que sofreram.
O prefeito Luiz Caetano fez questão de participar do evento e, na ocasião, salientou que participou ativamente de diversos movimentos em defesa da democracia, da anistia e das diretas. “O estado democrático é fruto da luta dos brasileiros contra a ditadura instaurada no Brasil”, salientou ao afirmar que “somos a semente dessa luta que foi plantada no país”.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, declarou que decidiu realizar os 121 julgamentos em Camaçari porque “foi aqui que a violação foi ocorrida”. Ele ressaltou que a Caravana da Anistia tem reconstruído o fato histórico através da reparação.
Para o secretário de Relações Institucionais de Camaçari, Ademar Delgado, a comissão tomou a decisão acertada ao fazer os julgamentos de forma itinerante. “Nada mais justo do que julgar os casos de perseguição ocorridos em Camaçari no próprio Município”, disse o secretário ao avaliar que a cidade também sofreu perseguição ao ser transformada em Área de Segurança Nacional, fato que suspendeu o direito de voto do povo, que foi restituído apenas em 85, quando o prefeito Luiz Caetano foi eleito pela primeira vez.
Para o presidente do Sindiquimica, José Pinheiro Lima, que também teve processo julgado quarta (29/02), a vinda da Caravana da Anistia para o Município é uma mostra do reconhecimento de que a greve de 85 foi não apenas uma luta pelos direitos trabalhistas, mas também uma luta política em prol da redemocratização do país.
Autor do projeto que criou a comissão de direitos humanos e conselheiro da comissão, o ex-deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos do governo Lula, Nilmário Miranda, participou dos julgamentos e ressaltou a importância da Caravana da Anistia para recontar, agora de forma oficial, a História do Brasil na época da Ditadura Militar. “O trabalho da comissão é importantíssimo para a democracia brasileira”, ressaltou.
Um dos autores do livro Dos filhos deste solo, que trata justamente da luta dos brasileiros pela democracia, Nilmário Miranda falou ainda da importância do Memorial da Anistia Política do Brasil, previsto para ser entregue no final de 2013 e que vai abrigar os cerca de 70 mil processos de anistia já abertos. “O espaço será um museu de última geração”, afirmou.
O CASO
Apesar de a greve de 1985 ter sido considerada legal pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho), cerca de 200 pessoas foram demitidas. Deste conjunto, 171 perderam todos os direitos ao serem sido demitidas por justa causa. O julgamento dos casos de Camaçari iniciou em 2008, quando foram apreciados 69 processos. Em 2009, foram realizados outros dois julgamentos e, com os 121 processos desta quarta, o Ministério da Justiça conclui a apreciação dos casos dos demitidos por participarem da greve.
Iniciados à tarde, após a instalação da Comissão da Anistia, os julgamento do dia são feitos de forma pública e transparente. Os casos são apreciados um a um e o parecer é dado na hora. Após a leitura do processo, o requerente ou representante têm direito a se manifestar e, na seqüência, os conselheiros avaliam e concedem ou não a anistia.
Dentre os casos a serem julgados está o do ouvidor Geral do Estado, Jones Carvalho, que também integrou a equipe de governo do prefeito Luiz Caetano. Apesar de ser dirigente sindical, ele foi perseguido politicamente por ter participado da greve de 85 e, por conta disso, foi impedido, inclusive, de exercer a profissão de analista químico. O processo dele inclui ainda a perseguição sofrida de forma individualizada, por ter integrado movimentos políticos contra a repressão.
Para Jones Carvalho, a anistia tem um valor simbólico muito forte por representar o reconhecimento de que a greve de 85 foi uma luta política que defendeu os direitos democráticos e humanos. “Agora é que se estabelece a verdade e será possível ver quem era perseguido e quem eram os perseguidores”, concluiu.
A comissão da Caravana da Anistia é composta por 24 conselheiros nomeados pelo Ministro da Justiça, dentre eles, procuradores, professores de direito, advogados da união e militantes dos direitos humanos dos mais variados estados brasileiros. A comissão já julgou 60 mil dos cerca de 70 mil processos abertos.
OS TRÂMITES
Após o julgamento, o caso pode ser indeferido, deferido parcialmente, no caso de reparação moral apenas, com o pedido público de desculpas em nome do Estado Brasileiro ou ainda, deferido na totalidade, quando concede a reparação moral e financeira.
No caso da reparação financeira são obedecidos três critérios para calcular o valor da indenização, que não pode ultrapassar o teto de R$ 10 mil. Após o deferimento pela reparação financeira, o Ministério da Justiça publica uma portaria e o Ministério do Planejamento realiza o pagamento da indenização no prazo médio de 60 dias após a publicação.